Bom dia, boa tarde, boa noite
Taverneiros, hoje, com um pouco de atraso, continuamos o nosso papo batuta
sobre Django Libre! Então tirem suas pistolas do coldre e me acompanhem nessa aventura!
Lembrando novamente que o post abaixo é uma discussão sobre o filme, ou seja, contém spoilers do filme todo. Então se você ainda não viu o filme, aconselho que vá ver neste exato momento!
Caso não tenha visto o post da semana passada CLIQUE AQUI.
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Mesmo sendo (uma bitch )
um fã de Tarantino, eu preciso admitir que o nosso amigo queixudinho nunca
disse muita coisa com seus longas (em um sentido agregador, como a minha mãe
diria, “o que eu vi aqui não vai me ajudar a salvar o mundo de si mesmo”
digamos assim). Tarantino acaba abordando basicamente temas sobre golpes/planos
elaborados, vinganças, mortes e factóides interessantíssimos - tudo bem
específico. Mas com o lançamento de "Django Livre" isso mudou: a
história do negro que se torna um caçador de recompensas, e que tem como meta
crucial de sua sofrida existência resgatar a esposa Broomhilda, é uma das mais
brutais e enfáticas exposições da escravidão americana pré-Guerra Civil - época
em que a simples visão de um homem de cor andando a cavalo era algo assombroso.
Diante de um roteiro original
novamente inspirado, percebemos que o diretor nos induz a refletir sobre o tema
racial a todo instante, até mesmo com seus minuciosos detalhes. Por exemplo:
quando Django dá um belo gole em um copo de cerveja, o texto não nos diz se
aquele foi o primeiro gole da vida do negro, ou pelo menos o primeiro em muitos
anos. Ainda sim, percebemos o prazer inédito em sua expressão – um gesto
simples que demonstra um fragmento, obviamente irrisório, das privações
impostas a estes meros serviçais.
Atenção aos (1’13) :3
Porém, em tantos outros momentos,
Tarantino é extremamente explícito em sua mensagem, o que possivelmente faz de
"Django Livre" o seu mais violento trabalho até hoje - não só pela quantidade
absurda de sangue derramado (litros e mais litros que explodem com veracidade
exacerbada), mas também pelo impacto psicológico das cenas mediante o tema
delicado. O diretor e roteirista não usa de meias palavras para descrever a
brutalidade, pois de outra forma não seria brutalidade, não é mesmo?
Eu acho
essa última foto poeticamente bonita.
Me lembrou cerejeiras, só que com sangue,
que
são muito mais legais. Muito.
Prosseguindo, o filme de
Tarantino escolhe ser polêmico ao utilizar o realista. Ele não poupa
negros vira-casacas, resumidos pelo irritante personagem Stephen, vivido por um
desprendido Samuel L. Jackson. A exploração dos escravos como objeto de
entretenimento em lutas sangrentas é outro fator que se mostra revoltante. A
produção ainda levanta questões importantes como: porque os escravos não se
rebelavam? Não revidavam anos de castigos e abusos? A discussão propõe então
uma análise da personalidade destes homens, que nasceram de uma linhagem
submissa, e que por natureza também eram assim. Eles não conseguiam se enxergar
dignos daquilo que nunca tiveram, concordando fatidicamente com sua posição.
Mas como disse o presunçoso e
sádico Calvin Candie, brilhantemente realizado por Leornardo DiCaprio: "Entre 10 mil escravos, sempre surge um negro certo.
E você garoto brilhante (Django), você é um deles!".
Todos sabem que a direção de
Tarantino é movimentada por influências, e que ele sempre enfatizou a vontade
de produzir seu próprio faroeste. Dono de um conhecimento cinematográfico
mítico, senão lendário, o queixudinho fez questão de homenagear o gênero
consagrado por mestres como Sergio Leone (Trilogia dos Dólares! Ainda tenho
planos de falar aqui.), sendo sua mais visível referência a ilustre
participação do italiano Franco Nero, primeiro "Django" que apontou
no horizonte dos cinemas em 1966 - um representante máximo do universo
Spaghetti Western italiano.
Assim como fez em "Bastardos
Inglórios", o diretor optou por certa áurea européia com sua fotografia,
fato que se contrasta com a temática yankee e as diversas trucagens da fita -
como os closes contemplativos cheios de zoom in & zoom out, artifício que
antes enfatizava drama e tensão, mas que hoje, pelas mãos de Tarantino, oferece
um humor contraversivo e praticamente metalinguístico.
A construção narrativa de Jango Livre, com suas cenas milimetricamente programadas, é uma proeza estilística de
beleza singular (e os elogios por aí vão). Mas é na interpretação do elenco que
moram as qualidades exponenciais da obra. O personagem alemão Dr. King Schultz,
interpretado com a dedicação de um maestro pelo genial Christoph Waltz (e que
gênio), é sem dúvida uma das mais elaboradas crias de Tarantino. Seu carisma
manipulador e sua inteligência abismal lhe faziam reinar em meio aos ignorantes
de pescoço vermelho do Sul dos Estados Unidos. A personalidade de Jamie Foxx
como o protagonista Django também é digna de muito respeito, nos fazendo realmente acreditar que ele não está interpretado, ele É o Django. E completando,
Leornardo DiCaprio entrega o primeiro vilão de sua carreira, o já citado Calvin
Candie, um tipo cheio de defeitos e qualidades – todas ligadas única e
exclusivamente ao exercício de ser um cretino pomposo.
Talvez o único deslize
(contraditório, como você já vai perceber) esteja na trilha sonora. Gostaria de
primeiramente dizer que ela é épica (por mais que o termo possa estar saturado,
ele descreve bem minha concepção sobre a trilha). Devido ao fato de
"Django Livre" ser um longa histórico, é maneiro ouvir temas
contemporâneos (como gangsta rap’s) surgindo a todo o momento. Só que é
exatamente aí que mora o problema: eles surgem a todo santo momento, sendo que
a produção ganha, em algumas ocasiões, um feeling de videoclipe - tenho certeza
que se Tarantino ouvisse isso ele provavelmente imaginaria uma morte violenta
para minha pessoa, o que seria uma honra. Essa constante utilização de
excelentes músicas é de longe um erro (vale enfatizar a palavra excelente apenas com o nome Johnny Cash) - na verdade se torna uma peculiaridade do filme. Mas
creio que em algumas cenas certo silêncio seria bem vindo.
Eu, pessoalmente, tenho um amor
incondicional por essa cena acima, mesmo com 2Pac complicando uma das minhas músicas
prediletas do James Brown, a cena continua ajudando o meu coração bater. A
troca de foco, os escudos humanos, os takes, as trocas de takes! E
principalmente, as duas Remington Cartridge 1858! Ai, Jesus, fico ofegante só de
lembrar <3
Em resumo: com "Django
Livre", Quentin Tarantino adiciona mais um extraordinário personagem
"badass" a sua extensa lista. Seu desejo de conduzir um faroeste se
deu de forma relevante quando o mesmo resolveu tratar do tema escravidão não
com cuidado, mas sim com uma honestidade visceral, que enfatiza a mensagem sem
se submeter a sanções. Como diretor, ele alcança novamente um apuro técnico
invejável, como roteirista, entrega um trabalho de qualidade extrema. O
elenco atua de maneira inspirada, e o resultado se mostra nada menos do que
prodigioso. Daqui há 50 anos, quando alguém quiser assistir a um clássico do
faroeste, "Django Livre" com toda certeza será um dos mais indicados.
Agradecimentos a Ronaldo
D’Arcadia pela ajuda e inspiração deste artigo.