quinta-feira, 26 de março de 2015

Quinta Tarantinesca #06 - Jackie Brown (pt.02)

   Pois bem meus queridos nerrrrrdessssss taverneiros, hoje é quinta, o dia internacional de entrar no blog pra ver Quinta Tarantinesca. Então vamos continuar aquele papo bacana da semana passada sobre Jackie Brown, essa obra supimpa de nosso delicioso diretor de queixo avantajado.
   Lembrando que esse post é uma segunda parte, então se você vacilou e não leu a primeira, clica AQUI, que já vai fechar o abacaxi. (Desconsidera isso.. mds...)


   Muitas das cenas de Jackie Brown lida com o poder da protagonista. O bartender a trata com admiração. Ordell supõe que, quando ela vai a um bar, deve precisar usar “nigger repelent” (melhor afirmação já feita no cinema, na minha opinião.) Ela admite que “I do all right”, e ele insiste: “Aposto como você se sai melhor que bem”.
   Várias das cenas do filme são de Jackie em movimento. Ou melhor, sabemos que ela está em movimento (dirigindo um carro, andando numa esteira no aeroporto, frenética num shopping), mas não a vê mexer. É o que está em torno dela que gira e se mexe. É como se o filme dialogasse com ela: olha só, as coisas estão acontecendo e você está parada, quando vai agir? No final, a música explica, dizendo “eu fiz o que tinha que fazer”. Jackie cantarola a letra timidamente, com tristeza nos olhos. Sua tristeza é o enigma do filme. Por que ela está triste? Por não ter ninguém? Por não ficar como único cara que a trata bem? Por imaginar que quatrocentos mil dólares não a levarão tão longe?


   E eu detesto rir disso, na real não detesto não, mas a morte da “beach kitty”, a Melanie, é divertidíssima. Não seria se a gente a visse sendo atingida pelo Louis, ou mesmo se víssemos o corpo dela estirado depois. Mas não vemos. Como comentamos em Pulp Fiction, a cena deletada da morte de Brett, que resultou em algo perfeito, também onde vemos o Vicent atirando sem querer no crânio do pobre estudante dentro do carro. Vemos seu crânio explodindo, os pedacinhos voando pra todo canto. É hilário, e absurdo. Muita gente critica o Tarantigod por essa cena - não deveria ser nada engraçado fazer rir de um branco atirando num negro. Ou um negro ser tão descartável. Mas ele não é mesmo um personagem importante. Importantes mesmo são o Vicent e Jules, e o relacionamento entre eles. É quase um caso de amor (damn, nigga). Vincent até pergunta, brincando, para Jules, “Você pode me dar uma massagem nos pés?”. Então, nessa cena do carro, rimos do acidente, da bronca que o Jules dá em Vicent, do mesmo ficando mega boladinho com a bronca (como se fosse um casal birrento de longa data). No fundo, não estamos rindo do pobre rapaz assassinado. Mas também é verdade que ligamos a mínima pra ele.


   Em Jackie, quem importa mesmo é Melanie. Ela é uma personagem petulante, cheia de vida, e até encantadora, do seu jeito. Está quase sempre dopada. Adora fazer sexo (ouvimos isso mais do que vemos). E tem certeza absoluta que todos os homens ao seu redor são estúpidos. É hilário Louis não saber onde fica a saída do shopping, ou onde ele estacionou o carro, e a Melanie gozando dele a todo momento: “Tem certeza que você já assaltou um banco?”. Porque, pô, tá cheio de policiais no lugar, e como o Vito não sabe onde está o carro? A gente sabe que ele está indignado com a situação, e já vem sendo violento com a Melanie desde antes de chegarem ao shopping. Mas a gente não tem a menor ideia que ele vai sacar uma arma e atirar nela! E essa surpresa é engraçada, inclusive porque ilustra e exagera o fato que homens não sabem lidar com adversidades, e são agressivos ao serem contrariados. Mais tarde Ordell, chateado por ter perdido seu objeto de maior valor, Melanie, reclama com Louis: “Você não podia apenas ter dado um murro na boca dela?”. Que é o modo que Ordell está acostumado a lidar com suas mulheres.


   Por outro lado, o filme não é apenas feminista. Há todo um subtexto com outra opressão. O personagem do Samuel L. Jackson sabe muito bem em que mundo vive. Ele diz que a principal razão por estar com Melanie é que ela é branca, a sua gatinha da Califórnia. “Ter” uma loira (elas são vistas como objetos) é inacessível a negros pobres, e um símbolo de status para negros ricos, do chefão (Marcellus) em Pulp Fiction (que tem a Uma Thurman) aos jogadores de futebol. Quando Ordell vai ao escritório de Robert, vê uma foto na parede dele com um negro que parece um armário. “Quem é ele?”, Ordell pergunta. Robert responde que é o sujeito que trabalha com ele. Mas Ordell insiste: “Ele é seu empregado e você é o chefe, é isso? Aposto como foi ideia sua tirar essa foto”. Robert fica calado, ansioso pra mudar de assunto.
   Tem também o lado de personagens que não conseguem deixar seus papéis. O funcionário de Robert repete “é o meu trabalho” em vários momentos. Mas o próprio Robert permanece imóvel. Quando Jackie lhe pergunta por que ele não fica com mais dinheiro, além dos 10%, ele insiste: “É a taxa que cobro”. Seu desespero é não ir atrás de Jackie. Bem antes, ele reconhece sua vaidade. Explica pra Jackie que, ao ficar mais velho, perdeu cabelo, e fez algo a respeito (não sabemos o quê). Ele também sabe quanto engordou desde que parou de fumar. Ele fala a sua idade (56 anos), fala de aposentadoria, de como está cansado. É provável que eles nunca mais se vejam. Ela vai pra Espanha e lhe mandará um cartão postal. No final, é só isso que vemos, e que precisamos ver: o rosto desolado de Robert, sabendo que perdeu sua última chance, e o rosto misterioso, talvez arrependido, talvez aliviado, de Jackie, pronta pra começar uma nova vida. Sozinha, como sempre. Porque ela já cansou de ser explorada pelos homens.


Antes de terminar o post, algumas informações sobre o filme:
Indicações ao OSCAR
Melhor Ator Coadjuvante - Robert Forster

GLOBO DE OURO
Indicações Melhor Ator Comédia/Musical - Samuel L. Jackson
Melhor Atriz - Comédia/Musical - Pam Grier

FESTIVAL DE BERLIM
Ganhou Melhor Ator - Samuel L. Jackson


   Acho que vocês perceberam que os dois posts desse filme saíram meio diferentes do habitual.
  Pois é, por ser um filme “deixado de lado”, eu precisei chegar até os confins da internet para procurar algumas referências, e essas foram tiradas de Lola Aronovich. Eu não falei muito da parte técnica, mas gente, é padrão Tarantino, não tem mais o que comentar.
  A recomendação tá aí, se você ainda não viu o filme, tem na netflix, na internet, em todo lugar. Então não tem desculpa. Corre lá, negão!

  - Lucas

2 comentários:

  1. Ver uma personagem feminina como foco da narrativa é uma coisa fantástica, assim como Kill Bill, Jackie mostra todo o potencial feminino. Diferentemente da Melanie, devo admitir que comemorei a morte dela, ela não estava irritando apenas o De Niro, kkk. Uma outra obra de Tarantino e seu brilhantismo, esse filme é esteticamente parecido com o GTA, seja pelo cenário, como pelo modo de apresentação dos lugares, com a localização e o horário.

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    1. Também gosto bastante. Isso mostra que não precisa de um careca musculoso com cara de mau pra se fazer um filme bom de ação ou até de drama. Geralmente a mulher é demonstrada como indefesa e incapaz de tomar suas próprias decisões, mas todos nós sabemos que não é nada assim. Um bom exemplo é a Ripley, do Alien, que mesmo sendo muito bonita consegue ser tão durona que deixaria muito marmanjo chorando só de olhar pra ela. O mesmo vale pra Sarah Connor em Exterminador do Futuro 2. :P

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